Agência
Congresso 3/13/12 9:16 AM
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Pedro
V. Feu Rosa
Há
uma conhecida piada segundo a qual, quando da Criação, o Brasil teria sido
privilegiado com riquezas imensas e poupado dos desastres naturais que atingem
outros países para compensar o “Zé-Povinho” que seria colocado aqui. De tão
repetida, esta piada virou verdade aceita: a culpa pelo atraso do Brasil é do “Zé-Povinho”!
Será? Que tal darmos uma
olhada
na vida de João Valjão, um típico brasileiro?
João
é morador de um barraco situado em uma das mais de 3.100 favelas espalhadas
pelo Brasil. Lá, como em cerca de 60% dos domicílios brasileiros, não há rede
de esgoto. Por conta disso João sofre rotineiramente de disenteria, já teve hepatite,
cólera e até gastroenterite. Aliás, no Brasil morrem cerca de 20 crianças por
dia vítimas da falta de esgoto sanitário - foi assim que João Valjão viu morrer
diante de seus
olhos,
no corredor lotado e fétido de um Pronto-Socorro, seu único filho. Bem, como
orçamentos e políticas públicas de saneamento nunca foram feitos pelo “Zé-Povinho”,
creio que João Valjão e sua classe não tenham culpa por este horror.
Entre
uma disenteria e outra, João Valjão tem sempre fraqueza e dificuldade para
aprender até coisas simples. É a falta de ferro no organismo, João! Segundo a
ONU, um brasileiro médio (o “Zé-Povinho”) não supre sequer um terço das
necessidades mínimas recomendadas de vitaminas e sais minerais. Daí a sua falta
de saúde e aparente falta de
inteligência.
É por isso que o Brasil tem a maior relação de farmácias por habitante do
mundo. Mas vamos lá: também aqui, como a saúde pública nunca foi gerenciada
pelo “Zé-Povinho”, creio que João Valjão e sua classe não tenham culpa.
Nosso
personagem, realmente um infeliz, é viúvo: sua esposa morreu em um acidente de
trânsito há alguns anos – o ônibus no qual estava foi desviar de um buraco na
estrada e bateu de frente com uma carreta cheia de granito. Nunca ocorreu a João
Valjão se perguntar por qual motivo um país imenso como o Brasil tem a mesma
quantidade de ferrovias que o
pequenino
Japão, com a agravante de 40% delas estarem quase inutilizáveis. Por causa
disso, 70% de tudo o que se transporta aqui vai de caminhão através de estradas
que mais parecem matadouros – um absurdo sem paralelo no planeta.
Como
o “Zé-Povinho” nunca elaborou a política de transportes, tarefa esta reservada
aos doutos, creio que não é de ser debitada a João Valjão culpa alguma.
Nos
finais de semana, João Valjão gostava de tomar uma cervejinha no boteco da
favela. Mas até isto está difícil, por causa da bandidagem. Com freqüência a
Polícia sobe o morro, troca tiros com alguns, prende outros, mas logo todos retornam
e “tudo volta ao normal”. Entre um tiroteio e outro
João
Valjão vai levando sua vida, sem desconfiar que no Brasil apenas 2% dos crimes
são punidos. Ainda aqui, como o “Zé-Povinho” nunca gerenciou nosso aparato de
segurança pública e judicial, podemos afirmar que João Valjão é inocente.
Dia
desses ele leu no jornal que o Brasil perde anualmente 5% do PIB, ou R$ 72
bilhões, com a corrupção. Pois é: como o “Zé-Povinho” dificilmente ocupa cargos
públicos, estes reservados no mais das vezes para as pessoas instruídas, quero
crer que João Valjão não tenha culpa alguma por mais esta mazela.
E
assim, de exemplo em exemplo, não será difícil concluirmos que quem está
falhando na construção do Brasil não é o povo mais humilde – este, “aos trancos
e barrancos”, está lá nas fábricas, nas construções, no comércio e pelas ruas
dando sua contribuição. Se mais não faz, com toda a certeza é porque serviços
públicos administrados invariavelmente por pessoas cultas e instruídas não lhes
proporcionou, durante a tão
importante
fase da infância, saúde, educação e condições dignas de vida – e esta não é
minha opinião isolada, mas sim a conclusão de estudos técnicos da ONU.
Diante
deste quadro, talvez sejam oportunas as palavras de Sartre: “quando os ricos
estão em guerra, são os pobres que morrem”.
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Pedro
V.Feu Rosa é presidente do Tribunal de Justiça do ES,
jornalista e colabora com o site Agência
Congresso.
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